VERÃO NA LAVARIA . CABEÇO DO PIÃO.

A velha Lavaria, com as suas telhas de zinco, apesar do seu avançado estado de degradação, ainda consegue manter todo o calor do verão no seu ventre.

Restos de máquinas, estruturas metálicas, eléctricas dispostas em andares, mais parece que ali foram semeadas anarquicamente.

Ventre carregado de história, onde vagueiam corpos e rostos, fantasmas de homens e mulheres, que no seu seio, sob o troar das máquinas e o cheiro pestilento dos químicos, vendiam, por um magro salário a sua força de trabalho. A mina, na pele ou no ventre, não deixava vislumbrar um futuro melhor, que não fosse o lento caminhar para uma morte anunciada e quase sempre precoce.

Sob o olhar apreensivo dos antigos trabalhadores, os "loucos": Coreógrafa, Bailarinos, Actores, Músicos, Cineasta, Fotógrafo, descobriam em silêncio a magia do monstro, e nas palavras dos que lá trabalharam, os seus segredos e todo o medo que ainda inspira.

O pó continua lá, só não há seres vivos. Foram vinte dias em dois anos, e não se viu um rato, ou outro ser vivo, apenas uma ou outra vez um Pardal se aventurou naquele inferno.

Procuro nos restos das máquinas, nas paredes, nos velhos papéis abandonados, no metal corrompido, nos locais mais recônditos, os rostos daqueles que na minha infância, ouvia contar histórias de sonhos e quimeras, que este pedaço de terra ingrata e esventrada acalentou.

"O veneno andava no ar, árvores, plantas, aqui à volta tudo morria. Às mulheres morriam os filhos no ventre, os homens cuspiam sangue, até o engenheiro Inglês morreu".